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Agosto lilás: “Eu escolhi viver” por Yannahe Marques

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Andréia Melo

Andréia Melo

*“Eu Escolhi Viver” (Citadel Editora) foi escrito para inspirar mulheres a quebrarem o ciclo de violência doméstica.

Agosto é o mês que traz à lembrança a luta da mulher pelos seus direitos. Direitos que foram sancionados através da Lei Maria da Penha no dia 7 de agosto de 2006. Ou seja, há 15 anos que nós mulheres lutamos judicialmente pelos nossos direitos: direito ao emprego, a salários justos, ao respeito, à segurança e, principalmente, à vida.

Ainda assim, em pleno século XXI e com todo o avanço tecnológico, percebo que a humanidade não evoluiu com o passar do tempo – pelo menos em relação à violência e, principalmente, contra a mulher. Diante disso, fica o questionamento: como acabar com essa onda de violência contra a mulher, que a cada dia vem aumentando nas estatísticas?

Do mesmo modo, como a mulher, vítima da violência, pode e deve agir para se libertar dessa brutalidade covarde e desumana? Além disso, como lidar com as consequências quando a violência chega ao ápice da sua força: atentado contra a vida da mulher?

Agosto lilás: luta e resistência

Então, diante disso, a nossa luta continua e o mês “Agosto lilás” está aí para todos se lembrarem disso. Sobretudo, por causa das cicatrizes de muitas mulheres que ousaram dizer NÃO à violência, principalmente, à violência doméstica.

Especialmente, mulheres como Yannahe Marques, que sobreviveu a um tiro na cabeça desferido pelo seu ex-marido. Todavia, o que era para ter sido um fim, na verdade foi o recomeço de uma nova vida. Isso mesmo! A “Nana” – como é carinhosamente chamada – não apenas sobreviveu ao atentado de feminicídio, como também, é fruto de um milagre inexplicável até para a medicina!

Hoje, dois anos após o atentado, Yannahe fala, anda e trabalha, mesmo com algumas sequelas. Como também, cuida dos dois filhos frutos do casamento com o ex-marido e sua filha, Mia, seu pequeno milagre de dez meses. Além disso, Yannahe está lançando um livro “Eu Escolhi Viver” (Citadel Editora) em parceria com sua terapeuta, Rose Rech, onde relata a sua história com o objetivo de ajudar outras mulheres vítimas de violência doméstica.

Agora, nesta entrevista você irá conhecer um pouco sobre a história de Yannahe Marques, a mulher que escolheu viver!

Yannahe Marques


“Você tem muito mais força do que pode imaginar, pois você pode sempre escolher viver” – Yannahe Marques

Quando somos jovens, acreditamos que a vida é linear: crescer, estudar, trabalhar, casar, ter filhos, morrer. Não contamos com os obstáculos, as reviravoltas, as dificuldades e as tensões que enfrentaremos ao longo desse percurso. Na minha juventude, jamais pensei que passaria pelo que passei

Yannahe Marques

Andréia Melo – Yannahe, há dois anos você sofreu um dos piores crimes contra a mulher: um atentado contra a sua vida. Como você lida com isso, hoje?

Yannahe Marques – Depois de levar o tiro minha vida mudou muito. A gente passa a ver a vida sobre outra perspectiva. Hoje, eu convivo com algumas sequelas, na verdade, poucas perto do que poderia ter sido. Ou seja, as sequelas da visão, das ausências que ainda tenho. Assim como, as dores que ainda sinto, infelizmente. Então, ainda é algo pesado e talvez seja pesado pra sempre. Mas, por outro lado eu tenho um amor à vida que é incondicional. Por isso, é inenarrável a gratidão que eu tenho por ter ficado viva, sabe. Tal qual a alegria que eu tenho de poder acordar todo o dia e não ter perdido totalmente a visão. Hoje, eu só posso agradecer a Deus e também às pessoas que andam comigo de mãos dadas.

AM – No seu livro, você chamou a atenção para os sinais que podem identificar que a mulher está sofrendo violência dentro de casa. Levando em consideração a sua experiência, você acredita que a maioria das mulheres ignoram esses sinais por não acreditarem que estão num relacionamento abusivo?

YM – Sim, eu acredito que na maioria das vezes as mulheres ignoram os sinais, principalmente, quando a gente não se dá conta do que está acontecendo. Ainda assim, depois quando a gente percebe, geralmente, costumamos perdoar. Isso porque, acreditamos, sinceramente, que será a última vez. Visto que, o arrependimento dos agressores parece muito verdadeiro, sabe? Eles se mostram muito arrependidos. Então, a gente sempre perdoa e vai vivendo os dias de forma “normal”. Contudo, nós escondemos isso das pessoas porque temos vergonha de falar: “eu apanho”. Assim, a gente vai se acostumando e é muito triste dizer isso.

Por outro lado, a culpa que acompanha a maioria das mulheres, vítimas de abuso, acaba contribuindo para que elas não percebam os sinais, como avalia Nana:

A maioria das mulheres agredidas de alguma forma pensam: “Ah, mas eu fiz isso e deixei-o nervoso”. É muito triste a gente pensar isso

AM – Atualmente, segundo as estatísticas, a violência contra mulher tem aumentado significativamente, geralmente, causada pelo próprio companheiro. Como você tem encarado o fato de ter sido parte dessa estatística?

YM – Primeiramente, é muito triste ver o aumento desses casos. Assim como, ver quantas mulheres sofrendo. Mas, por outro lado, vejo que na internet e na TV as mulheres estão gritando cada vez mais e pedindo ajuda. Porém, ainda é uma minoria, infelizmente. Todavia, a gente tá acordando. Agora, no meu caso, eu demorei muito para me ver como vítima de tentativa de feminicídio. Para isso, eu precisei de muita terapia. Como também, precisei muito da Rose, minha terapeuta. Porque quando levei o tiro na cabeça e ele se matou, por muito tempo me senti culpada, carregando o peso da morte dele. E isso foi bastante doloroso. Hoje, graças a Deus me recuperei porque eu sei que a culpa foi dele.

AM – Você é uma mulher forte e determinada. Isso pôde ter contribuído para você ter insistido no seu casamento, mesmo passando por momentos muito difíceis ao lado do seu ex-marido?

YM – Na verdade eu não sei se foi por força ou determinação, pois, sempre fui muito leve e alegre. Então, eu pensava: ”Ah, tudo bem, não vou ficar triste por causa disso” ou “não vou sofrer por causa disso porque amanhã é outro dia e eu vou ficar bem de novo”. Sobretudo, porque acreditava que seria a última vez e ele nunca mais iria fazer novamente. E assim foram passando os dias, os meses e os anos e eu sempre colocava a minha alegria em primeiro lugar. Por isso, nunca me permitir ser infeliz por essa condição e isso foi muito ruim pra mim. Ainda mais, porque eu passei por cima de uma coisa extremamente dolorosa e ninguém sabia.

Mulheres vítimas de violência doméstica, também, sofrem preconceito

AM – Infelizmente, muitas vezes mulheres vítimas de violência doméstica são responsabilizadas pela própria violência que sofrem. Isso ficou bem explicito na frase que você citou no seu livro: “o que foi que você fez para ele fazer isso com você?”. Como lidar com esse tipo de preconceito?

YM – Esse tipo de atitude é o que mais me irrita! Ainda mais, porque muitas pessoas falam isso e, às vezes, até no meio da família, também: “Mas o que você fez para ele fazer isso?”.

“Oi?!” “O que eu fiz?!” “Como assim?!”

Como se qualquer coisa que eu tenha feito desse a ele o direito de me bater ou de me espancar! Infelizmente a nossa sociedade está extremamente acostumada a ver a mulher apanhar. Pois, era comum ouvir: “Ah, antes ele batia nela, mas, hoje não bate mais” ou “só quando ele tá bêbado”. Do mesmo modo, quantas vezes já não ouvimos isso: “Mas essa mereceu levar uns tapas, né?” Isso é um absurdo! Logo, é muito triste ouvir esses tipos de comentários, fora que é muito irritante, também. Portanto, não interessa o que eu fiz. Eu sou um ser humano, dona da minha vida e o que eu fiz não dá a ele e a ninguém o direito de me bater. Além disso, eu mereço respeito!

Milagre que a medicina não pode explicar

AM – Yannahe, você literalmente reviveu, mesmo com um fragmento da bala na cabeça! O que mudou pra você desde o momento em que abriu os olhos naquela UTI?

YM – Desde o momento em que eu saí da UTI tudo mudou. Absolutamente, tudo! Corpo, cabelo, saúde, pensamento, o jeito de viver a vida. Bom, como disse anteriormente, ficaram algumas sequelas: 75% a menos de visão do lado esquerdo e 35 ou 37% do lado direito; convulsões; ausências; dores de cabeça. Então, foi só quando saí da UTI que eu percebi tudo o que tinha acontecido no meu corpo. Por exemplo: uma parte do meu cabelo que não cresce mais porque quando caí, no impacto do tiro, perdi um pouco do couro cabeludo. Porém, antes disso eu “causei”, né! (risos). Eu tirei todos os aparelhos que estavam em mim, porque estava muito assustada. Mas, depois disso, meu Deus! Pude ouvir todos os barulhos, todas as vozes, pude mexer a perna e o braço, enxergar, mesmo que estivesse ruim. Eu estava viva! Eu lembro que no terceiro dia de UTI, consegui convencer o fisioterapeuta do hospital a dar uma voltinha comigo lá dentro. Lembro também, que tinha uma porta que dava para o lado externo e eu consegui ver o sol. Como eu chorei muito, muito! Porque, foi o dia mais emocionante da minha vida e agradeci muito a Deus. Então, percebi que a vida é um sopro, literalmente. Porém, é um sopro mágico. Como um sopro divino. No qual, Deus dá a vida e só Ele pode tirá-la. Por isso, a partir daquele momento até hoje tudo na minha vida mudou. Infelizmente, algumas coisas pra pior, mas, em contra partida, muita coisa melhorou dentro de mim.

Yannahe sobreviveu a um tiro na cabeça que deveria ser fatal. No entanto, o amor pela vida, mas principalmente, por seus filhos, veio em forma de um milagre que a medicina não pode explicar.

Foi um milagre! O projétil não ter atingido áreas essenciais do cérebro, a recuperação da perda de massa encefálica e a não manifestação de sequelas graves são eventos que a medicina atual não pode explicar.

Dr. Bruno Bogéa, neurocirurgião pela Unicamp e médico de acompanhamento do caso de Yannahe Marques

História de superação contada em um livro

Yannahe Marques e Rose Rech

AM – Quando surgiu o desejo de relatar a sua experiência em um livro?

YM – O livro veio através das terapias. Logo, foi através das terapias que nós, a Rose e eu, começamos a perceber muitos assuntos “interessantes”. Além disso, eu coloquei coisas pra fora que eu nem sabia que tinha guardado. Portanto, foi bem interessante mostrar isso porque, assim como eu, muitas mulheres se escondem e queremos falar com essas mulheres. Então, eu espero que esse livro converse com muitas mulheres.

AM – Olhando, agora, para trás como você enxerga a Yannahe antes da tentativa de feminicídio e como a vê agora?

YM – Como eu disse, muita coisa em mim mudou. Porém, a essência é a mesma. Eu sempre fui uma pessoa feliz e continuo assim. Portanto, não tive medo de morrer e nem por um momento acreditei que eu fosse morrer naquele momento do tiro. Posteriormente, eu sofri com Síndrome do pânico, além de outros problemas, mas já me livrei de todos, graças a Deus. Agora, sou uma mulher mais independente, mais forte e consigo enxergar melhor as coisas, principalmente, os detalhes. Hoje, eu quero à minha volta, pessoas que eu amo de verdade. Agora, eu priorizo a qualidade em vez da quantidade. Portanto, a Yannahe de hoje é uma mulher mais segura e mais madura.

AM – O que você pode dizer para outras mulheres que estão passando por situações semelhantes a que você viveu e ainda não conseguiram dar o “grito de liberdade”?

YM – Antes de tudo, eu quero falar pra essas mulheres: “Pelo amor de Deus, gritem!”; “peçam socorro!”; “saiam de casa!”. Eu sei que, quando a gente ouve isso pensamos: “É fácil falar, né?”. Tudo bem é fácil falar com certeza, no entanto, é muito mais difícil viver nessa relação onde eles te destroem fisicamente, emocionalmente e psicologicamente. Portanto, é muito mais difícil viver nessa relação do que recomeçar. Então, eu queria poder olhar no olho de cada uma delas e dizer: “Olha, você vai conseguir e vai ser muito melhor”. Por isso, se libertem, recomecem, olhem pra vocês, se amem! Vocês são capazes, sim! Porque vocês não são o lixo que eles tratam e muito menos a mulher que eles dizem que são. Vocês são mulheres incríveis! Agora, para as mulheres que não vivem esse tipo de relacionamento eu deixo um alerta: “Não perdoem nenhum tapa” ou “perdoem, mas não voltem mais pra esse homem”. Porque, promessas do tipo: “Nunca mais vou fazer isso” ou “nunca mais encosto a mão em você” não existem!

Meu nome é Yannahe Marques, tenho 35 anos, sou mãe de três filhos e sobrevivente de uma tentativa de feminicídio pelo meu próprio ex-marido.

Yannahe Marques ou Nana, é uma mulher de atitude!

*”Eu escolhi viver” (Citadel Editora)

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